Carros envenenados e monstros irados na contramão da caretice
A Kustom Kulture nasceu na Califórnia no final dos anos 50 – uma das primeiras subculturas jovens de que se tem notícia. Sua influência passa por toda a cultura pop: dos carrões envenenados do hip-hop às canções adolescentes dos Beach Boys, a Kustom Kulture ajudou a construir o imaginário jovem contemporâneo. Um dos seus maiores símbolos é o Rat Fink, personagem de chaveiros, discos, livros, camisetas, miniaturas...
Camisetas, chaveiros, color books, adesivos, cadernos, anéis, bolas de câmbio, brinquedos metálicos, caixas de correios, canetas, card games, posteres, transfers, iô-iô, isqueiro Zippo, latas de lixo, luminárias, esculturas de neon, carros de autorama – Rat Fink e seus irmãos monstruosos conquistaram gerações inteiras, das crianças hipnotizadas pelos grotescos desenhos de Roth e seus asseclas aos marmanjos fascinados com os carros e motos radicalmente modificados.
Kustom Kulture - origem da palavra
Não é um erro de digitação: ao invés de Custom Culture (“cultura da personalização”, ou “cultura da customização”, referindo-se a veículos motorizados modificados pelos seus donos para serem únicos, personalizados) aquela turma da Califórnia utilizava um “k” na frente de cada palavra da expressão – o recado era simples, até a expressão Kustom Kulture seria personalizada. A primeira tentativa da mídia de explicar um dos primeiros movimentos jovens (que depois integraria a contracultura) veio a ser também um capítulo único na história do jornalismo – a criação do New Journalism.
Se hoje vemos programas e mais programas de televisão sobre a modificação de veículos e carros “tunados”, devemos tudo à Kustom Kulture. Parcela decisiva da contracultura sessentista, os ícones criados pelos entusiastas da Kustom Kulture fazem parte do inconsciente coletivo, representando juventude e rebeldia por toda a cultura pop: tatuagens com chamas em degradé, bonés Von Dutch, bolas de bilhar, canções dos Beach Boys sobre praia, carros e garotas; dados de seis faces, cartas de baralho, tênis quadriculados, pin-ups roqueiras, pranchas de surfe coloridas, motores aparentes, monstros grotescos, máquinas barulhentas acompanhando guitarras ensurdecedoras – para onde você olhar pode encontrar um símbolo dessa vida em alta velocidade, dialogando com rockers, motoqueiros, surfistas e skatistas, topetudos e cabeludos, todos fascinados por um estilo próprio, uma cultura eternamente jovem e imensamente mais interessante que o mundo adulto – a Kustom Kulture é o verdadeiro espírito do rock’n’roll.
A Descoberta de Tom Wolfe
O jornalista Tom Wolfe, longe ainda de ser o escritor do best-seller A Fogueira das Vaidades, foi enviado à Califórnia em 1963 pela revista Esquire para escrever uma reportagem sobre um bando de jovens que começavam a fazer bastante barulho com o ronco dos motores de seus carros e motos modificados. Impressionado com o estilo de vida e com as criações de Ed Roth, Von Dutch e seus companheiros, Wolfe voltou para Nova York aturdido – não sabia como transformar todo aquele espírito inovador numa matéria jornalística comum.
Depois de semanas lutando para criar um artigo “aceitável” a partir do material reunido durante a viagem, o prazo de Wolfe acabou, e o editor Byron Dobell, preocupado com o deadline, pediu para que o jornalista enviasse uma parte do material pesquisado para pudessem tentar, juntos, transformá-lo em uma matéria. Wolfe então escreveu uma longa carta, começando com “Dear Byron” (“Querido Byron”) e que trazia uma série de impressões e sensações, descrições em primeira e terceira pessoa, como se Wolfe tivesse entrado na cabeça de seus entrevistados e de lá saísse com um conto incrível sobre esses rapazes mais incríveis ainda.
A redação da Esquire ligou para Wolfe (que já estava esperando ser demitido) para avisar: iriam apenas tirar o “Dear Byron” do começo da carta e publicariam o material na íntegra, sob o título de "There Goes (Varoom! Varoom!) That Kandy-Kolored (Thphhhhhh!) Tangerine-Flake Streamline Baby (Rahghhh!) Around the Bend (Brummmmmmmmmmmmmmm)..." (e que depois viraria o título da primeira compilação de textos de Wolfe, encurtado para The Kandy-Kolored Tangerine-Flake Streamline Baby). Ali nascia o New Journalism, que revolucionaria, durante o resto dos anos 60, as redações ao redor dos EUA e do mundo.
Quadrinhos Movidos a Gasolina
Robert Williams, um dos criadores da revista Zap Comix – a bíblia fundadora do quadrinho underground norte-americano – chegou a Los Angeles sem um tostão no bolso em 1963. Estava interessado especialmente na cultura de hot-rod, que se espalhava pelos EUA mas que mantinha a Califórnia como centro nervoso, de onde saíam os principais talentos desse meio. Depois de meses sem arranjar emprego, Williams viu-se diante de uma oportunidade única, como conta o prefácio do livro Zap Comix:
“O gerente da agência de empregos apareceu com uma vaga de desenhista, mas já avisando que todos os candidatos anteriores tinham desistido depois de ver o lugar: ‘Dizem que é muito sujo, as condições não são boas’. Mas Robert Williams precisava de alguma coisa. ‘O que é?’ ‘Bom, estão precisando de um diretor de arte na empresa desse tal de Big Daddy.’ ‘Espera um pouco, o nome de sujeito é Ed Roth?’ Sim, era Ed ‘Big Daddy’ Roth.
(...)
“O entendimento entre Roth e Williams foi imediato. ‘Se eu soubesse que você existia’, disse Roth, ‘teria mandado alguém caçá-lo pra mim’. O estúdio de Roth erro o próprio zôo da paixão americana por automóvel transformada em descarada perversão e o ponto de encontro das diversas subculturas de Los Angeles. Era freqüentado por astros da surf music, hell´s angels, produtores de Hollywood, líderes do movimento negro, traficantes de drogas e até gente como Erich Maria Remarque (autor do clássico do pacifismo Nada de Novo no Front). E também por agentes do FBI, de olho em Roth e mesmo em Williams, que, além de ser fugitivo do alistamento militar, era visto com freqüência em reuniões de grupos de esquerda.
“O trabalho de Williams era fazer os anúncios de Big Daddy (tão alucinados que começaram a ser vetados pelas revistas automobilísticas) e cuidar de outras duas fontes de renda: as camisetas, pranchas, bonés com estampas de monstros motorizados, como o Rat Fink, e os gibis-catálogos do Big Daddy. Esses gibis, que também tiveram a participação de Rick Griffin (outro fundador da Zap Comix), foram uma das bases dos quadrinhos underground”.
Hot Rock’n´Roll
Os hot-rods da Kustom Kulture influenciaram toda uma geração de músicos californianos que, se não foram os primeiros a cantar a vida sobre quatro rodas (o primeiro hino roqueiro sobre automotivos foi “Maybelline”, de Chuck Berry), foram aqueles que mais nutriram paixão pela velocidade e os motores roncando. Enquanto a dupla Jan & Dean cantava os perigos da “Dead Man´s Curve”, os Beach Boys praticamente inventavam o álbum conceitual reunindo em “Little Deuce Coupe” todas as suas canções sobre carros e a adrenalina com cheiro de gasolina, como a faixa-título, “409” e “Custom Machine’.
Outra turma da Califórnia, influenciada pela surf music instrumental de Dick Dale, resolveu fazer sua homenagem aos motores de alta octanagem – criando um gênero de rock chamado Hot Rod, misturando guitarras envenenadas com o som de motores idem, mistura experimentada por bandas obscuras como The Hondells, The Rip Chords e Mustangs. Nos anos 80 e 90, o gênero teve um revival no underground, com bandas como The Apemen, Mono Men, Satan´s Piligrims e Impala. E o Rat Fink foi homenageado pela banda punk norte-americana Misfits com a canção “Rat Fink”, lançada em single em 1979.
Créditos do texto acima - Alexandre Machado
MENTORES DA KUSTOM KULTURE
A) Kenny Howard - Von Dutch
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"Um Hot somente será um Hot se houver pinstriping nele!"
Von Dutch
O Holandês ( Von Dutch) como era conhecido nasceu em 1929, filho de um pintor de painéis e letrista, com apenas 10 anos de idade já realizava desenhos e escritos com maestria. Aos 15 anos de idade foi trabalhar em uma loja de motocicletas Al Titus, de George Beerup. Certo dia, levou uma motocicleta para casa e lá com os pincéis do pai decorou a moto. Ao trazê-la à oficina o Sr. George viu que poderia ganhar dinheiro com isso e promoveu Von Dutch para a pintura de motos. Durante esta época fez também trabalhos para a fabricante de armas Smith. Os carros nesta época apenas recebiam alguns acabamento finais de frisos, pintados a mão, sendo que o último carro personalizado em linha, artesanalmente, foi em 1938 pela General Motors. A Triumph e Rolls Royce mantiveram seus artesões da personalização e acabamento de pintura em seus produtos.
crédito imagem: Filme "Tales of Rat Fink"
O primeiro carro a receber a pintura em Pinstriping veio por acidente (um dia daqueles em que dizemos "não deveríamos ter levantado hoje"), Von Dutch estava muito irritado e precisava desabafar, extravasar, relaxar, pegou um carro e começou a pintar com traçaos sem formação específica. Quando terminou, o proprietário do carro viu aqueles "rabiscos" e achou fantástico. E assim chegou o amigo do amigo, do amigo, do amigo....e toda a costa oeste estava tendo seus carros personalizados por Von Dutch. Na década de 50, marcou toda uma geração com seus pinstripes e até hoje é admirado por todos que praticam, desenvolvem e curtem esta cultura.
Von Dutch foi o primeiro a customizar carros com a técnica do pinstriping, era um gênio, morava literalmente em um ônibus onde desenvolvia seus trabalhos.
ônibus "casa" de Von Dutch
Von Dutch nunca ganhou dinheiro com sua arte de pinstriping, aliás detestava dinheiro. Diferentemente já Ed Roth quando olhou a possibilidade de ganhar dinheiro com isso, o resultado vocês já sabem.
"Eu faço questão de ficar à direita na ponte da pobreza. Eu não tenho um par de calças, sem um buraco nelas e apenas o par de botas que são os únicos que eu tenho. Eu não tenho nenhum outro para colocar no meu pé. Eu não gasto dinheiro com coisas desnecessárias, então eu não preciso ter um monte de dinheiro. Eu não preciso dele. Continuar pobre me faz bem. Eu gosto disso!. Acredito ser meu destino. Na vida há vários desafios, e se você se preocupar em ganhar só dinheiro, você não supera estes desafios. Ele só torna mais complicado. Se você se mantém pobre, a vida é simples." Kenny "Von Dutch" Howard
Dentre seus legados artísticos temos a sua logomarca olho voando (Flying Eyeball).
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créditos de imagens relacionadas a Von Dutch: http://www.vondutchkustomcycles.com
O Holandês morreu em 1992 de complicações alcoólicas. Após sua morte, suas filhas venderam seu nome para uma indústria de confecção que detém a marca Von Dutch comercializando produtos ligados a área por todo o mundo.
B) Ed “Big Daddy” Roth
Ed Roth foi um grande construtor de Rots, nasceu em 1932 e foi o primeiro a utilizar a fibra de vidro na construção de rot rods. Para subsidiar seus inventos produzia camisetas com diversos cartoons de criaturas grotescas, tendo criado entre outros o famoso Rat Fink.
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crédito imagem: http://horsepowermarketer.wordpress.com
Rat Fink nasceu de uma aversão incondicional de Ed Roth ao Mickey Mouse, então, como um anti-Mickey Mouse nasceu o Rat Fink. Sendo definido como um rato depravado de hábitos nojentos, extremamente rebelde que expressava toda a liberdade do jovem da época. Ed Roth popularizou-se de tal forma, chegando a ter uma linha de produtos, exclusivas, na indústria de plastimodelismo Revell.
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crédito imagem: www.calsmodels.com
“Roth é muito habilidoso com o aerógrafo, e um dia, numa exposição de carros ele teve a idéia de desenhar um cartum grotesco na camiseta de um garoto, e aí começaram as camisetas Weirdo. A típica camiseta Weirdo segue um padrão de desenho que poderia ser chamado de ‘versão Bosch da revista Mad’, procurando ser o mais grotesco possível, mostrando um cara que parece o Frankenstein, com o queixo quadradão movido a vapor e tudo o mais, com um sorriso bizarro no rosto, dirigindo um hot-rod, e normalmente ele carrega um objeto redondo na mão direita, do lado de fora do veículo, que parece ser ligado ao chassi por uma corda. Isto, parece, é o câmbio. Não parece um câmbio para mim, mas todo adolescente sabe imediatamente o que é.
(...)“Essas camisetas sempre tem uma frase escrita com letras enormes, normalmente algo rebelde ou pelo menos alienado, coisas como ‘A MÃE ESTÁ ERRADA’ e ‘NASCIDO PARA PERDER’.
“‘Um adolescente sempre tem ressentimento da autoridade adulta’, me disse Roth. ‘Essas camisetas são como uma tatuagem, com a diferença de que eles podem tirar tal tatuagem na hora em que enjoarem dela”. Tom Wolfe em The Kandy-Kolored Tangerine-Flake Streamline Baby.
Sabe a fibra de vidro, esse material leve e resistente que é usado em quase todos os carros personalizados hoje em dia? Em 1958 ela era usada principalmente na construção civil e em pranchas de surfe, até que Ed Roth (também conhecido como “Mr. Gasser”) resolveu utilizar o material no seu hot-rod – e todo mundo seguiu a sua idéia. Um homem “renascentista”, Roth era habilidoso em inúmeras áreas: por exemplo, além de desenhista e construtor de carros (pioneiro no design de veículos de baixo consumo), cantava com o grupo The Weirdos sob o codinome de Mr. Gasser, que lançou álbuns como Surfink e Rods n’Ratfinks pela gravadora Capitol.
Durante os anos 60, seu estúdio foi casa dos maiores designers da contracultura: no auge, 25 artistas trabalhavam lá simultaneamente. No final daquela década Roth foi acusado de ser má influência para a juventude e de ter ligações com a violenta gangue de motoqueiros Hell´s Angels. Desiludido depois de um roubo que dizimou seu estúdio em 1970, resolveu acabar com o negócio. Com um emprego fixo como ilustrador de cartazes, chegou a rever algumas de suas obras, retirando qualquer referência violenta presente em seus desenhos.
Porém, a gasolina corre no sangue e a ferrugem nunca dorme, e dez anos depois, convencido de que seu talento era um dom de Deus, Roth voltou a desenhar seus hot-rods e seus monstros, dividindo o tempo entre a família, a igreja e a sua arte – desenhando inclusive a capa de um dos clássicos góticos, o álbum Junk Yard dos australianos Birthday Party.
Rat Fink foi lentamente perdendo força e popularidade até o surgimento do movimento punk na década de 80, na costa oeste norte-americana, visto que Rat Fink na sua própria existência era o fenótipo de um adepto ao movimento.
Abaixo mais algumas fotos do mestre.
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Roth Studios e cartão de visitas de Ed Roth
Catálogo dos Monstros
créditos imagens Ed Roth: http://theselvedgeyard.wordpress.com
Em 4 de abril de 2001 Ed Roth faleceu, mas antes disso em 2000 foi realizado um filme Tales of the Rat Fink, que traz toda a história de Ed Roth, clique abaixo para ver o filme.
Aconselho a você visitar o site oficial de Ed Roth para comprar este filme e muitos outros produtos: camisetas, brinquedos, posters, decalques e até máscaras, www.bigdaddyroth.com. Rat Fink tem um site oficial também visite www.ratfink.org .
Uma legião de pessoas cultua Rat Fink e anualmente nos Estados Unidos acontece o "Annual Rat Fink Reunion", vale a pena conferir.
crédito imagem: www.biddaddyroth.com
C) Dean Jeffries
crédito imagem: www.motortrend.com
Filho de mecânico, durante a guerra da Korea, ficou sediado na Alemanha, onde observava os soldados que personalizavam suas motos e achava aquilo incrível, no retorno da Alemanha foi trabalhar em uma oficina mecânica, onde paralelamente desenvolvia sua habilidade no pinstriping.
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crédito imagem: revista Hot Rodders / 2009
Com o aumento do conhecimento abriu seu estúdio em Hollywood, realizando diversos trabalhos para a indústria cinematográfica. Foi convidado para desenvolver o Batmovel do seriado em 1966, deu início aos trabalhos em um cadillac 1959, aumentou as aletastraseiras e modificou toda a frente do carro, porém o estúdio modificou seus planos e solicitou que terminasse o carro em uma semana e meia, em entrevista Jeffries disse que nem com 10 homens trabalhando dia e noite conseguiria concluir o projeto, assim para não comprometer seu estúdio encaminhou o projeto para George Barris que concluiu o projeto do Batmovel.
Mas no cinema a sua contribuição é muito grande, produzindo carros como: Monkeembile (The Monkees), Black Beauty (The Green Hornet), Moon Buggy ( The 007- Diamonds are forever), etc.
crédito imagem: www.imdcb.org e www.automk.com
MESTRES DA ATUALIDADE
Nos Estados Unidos destaco os seguintes profissionais: Ron Beam, Bob Bond, Julian Braet, Jimmy C, Coop, Willis Dormer, Bobbo Dunn, E-Dog, Willy Fischer, Craig Fraser, Jack Giachino, Harry Henkel, Rot Hod, Alan Johnson, Steve Kafka, John Kosmoski, Mike Lavallee, Herb Martinez, Howie Nisgor, Paul Quinn, Bob Spena, Von Franco e Wizard.
Na Itália temos o Ettore Callegaro, na Argentina há o Feno e no Japão temos Makoto, Enamel e Takahiro Ishii. No Brasil não ouso dizer que há mestre de pisntriping, mas excelentes profissionais nesta área, posso citar 3 destes (Neimar - BH, Marcelo Lobão-SP e Eduardo "Big" Bignami-PR).
Mr. Alan Johnson - The Best Pinstriper
Steve Kafka - Tem uma técnica fantástica e exclusiva
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